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  • Foto do escritorTierri Ezequiel Gabriel

As turfeiras e suas turfas

As turfeiras e suas turfas



A Turfa que após queimada para secar a cevada traz as nuances defumadas que tanto amamos no whisky!

Quando se fala em whisky turfado, no geral, ou se ama ou se odeia! Nesse caso não costuma ter meio termo...

A aversão pode ser tal, que ouvi em uma das destilarias que visitei na Escócia, a seguinte frase: “não colocamos turfa em nossos whiskies porque não queremos mastigar carvão, apenas usá-lo para o churrasco...”

Ainda que nem todos se agradem dos sabores e aromas dos whiskies turfados, a sua produção é cheia de singularidades, eu, particularmente, adoro!

A famosa “turfa”, que é utilizada para dar sabor diferenciado aos whiskies, é retirada das turfeiras que representam 50 a 70% das zonas húmidas do planeta. Estudos recentes mostraram que a cobertura global do ecossistema de turfeiras é de cerca de 4,23 milhões de quilômetros quadrados, o que representa cerca de 2,84% da superfície do mundo e retêm quase 30% do carbono do solo. Por isso é que os “ecossistemas de turfeiras ”são considerados sumidouros de carbono no planeta, armazenando mais carbono do que qualquer outra vegetação combinada (0,37 gigatoneladas de CO2/ano).

O Reino Unido concentra 14% das turfeiras do mundo, sendo que 60% disso encontra-se na Escócia, nessa altura já entendemos que turfa não é algo exclusivo dos escoceses e tão pouco algo raro. Na verdade, a turfa possui uma distribuição bem difundida, sendo encontrada em 180 países em todo o mundo e em todos os continentes.

São distribuídas do norte da Europa até a América do Norte, onde os depósitos de turfa são encontrados no Canadá e na parte norte dos Estados Unidos. Algumas das maiores turfeiras do mundo incluem a planície siberiana ocidental, o vale do rio Mackenzie e as planícies da Baía de Hudson. Uma quantidade menor de turfa é encontrada no hemisfério sul, uma região, digna de nota, é a conhecida “Charneca de Magalhães” na América do Sul, próximo à Cordilheira dos Andes, que possui uma extensa paisagem dominada pela turfa.

Extraindo a turfa manualmente.

Dentre todas as nações a Indonésia abriga as maiores extensões de turfeiras tropicais do mundo. Os pântanos florestais da bacia central do Congo armazenam aproximadamente 30 bilhões de toneladas métricas de carbono em turfa, mas pouco se sabe sobre a vulnerabilidade desses estoques de carbono, cujo acúmulo de turfa começou há pelo menos 17.500 anos. Nesse caso também são denominadas de turfeiras tropicais.

Após a Pequena Era Glacial, que teve início por volta de 1300, restaram poucas árvores nas terras Altas da Escócia. Porém, havia pântanos de turfas. A turfa era o combustível das Terras Altas e continua a ser empregada em algumas regiões para o uso doméstico e também na secagem do malte e funcionamento de alambiques.

Extensões amplas da região de Islay são cobertas por pântanos de turfas, sendo que a água que corre através das turfas tem cor de chá. Nas regiões litorâneas, a turfa contém mais areia e transporta aromas salgados.

As turfeiras podem ter até 10 mil anos chegando a mais de 9 metros de profundidade, embora algumas sejam bem mais recentes, como as de Órcades (Arquipélago localizado no Mar do Norte), que tem cerca de “apenas” 1800 anos, com a camada de turfa alcançando cerca de 4 metros de espessura.

Mas, afinal, o que exatamente é a turfa?

A turfa é a camada orgânica superficial de um solo que consiste em matéria orgânica parcialmente decomposta, derivada principalmente de material vegetal, que se acumulou sob condições de encharcamento, deficiência de oxigênio, alta acidez e deficiência de nutrientes. Gerada em regiões de clima relativamente frio e com muita chuva. Para sua formação, a camada superior do solo deve ser impermeável ao ar. Dadas as condições certas, tal camada pode absorver água como uma esponja e transformar muito, mas muito lentamente vegetais em turfa. Várias plantas podem ser encontradas na sua composição, desde grama, musgos (Sphagnum), ciperáceas (Cyperaceae), urze, junco e árvores dos pântanos. Nas regiões temperadas, boreais e subárticas, onde as baixas temperaturas (abaixo de zero por longos períodos durante o inverno) reduzem a taxa de decomposição, a turfa é formada principalmente por briófitas (principalmente musgos esfagno), ervas, arbustos e pequenas árvores.

A acidez desses locais impede que esses tipos de plantas se decomponham totalmente. Ao longo de milhões de anos, toda essa matéria parcialmente decomposta se acumula, transformando-se em carbono e turfa.

Maquina que extrai e compacta a turfa

Como já dito, para que a turfa se desenvolva, o clima deve ser frio e úmido e o solo precisa se pouco oxigenado, com a drenagem ruim. À medida que a vegetação se decompõe, também se encharca e afunda, formando camadas.

Quando a turfa é colhida, a turfeira é drenada, o que libera o carbono armazenado na atmosfera. Não mais se extraem turfas de forma manual, ao invés disso, grandes tratores raspam a turfa da superfície dos pântanos e a compactam em tijolos. Por ter sido perturbado, a turfa restante deixada no pântano continua a liberar dióxido de carbono e metano na atmosfera.

A natureza/composição das turfas vai variar, mas os requisitos de habitat para iniciação e acumulação de turfa são semelhantes em todas as localizações geográficas (encharcamento, baixo pH, baixa disponibilidade de nutrientes, baixo suprimento de oxigênio, taxa de decomposição reduzida). As características físicas e químicas das turfas diferem de acordo com as características específicas do local da área de paisagem e topografia, clima, profundidade e fluxo de água, tipo de água que drena a turfeira (chuva, rio), a disponibilidade de nutrientes e biogeográfica de espécies vegetais.

Na produção do whisky e com o intuito de lhe conferir sabor e aroma diferenciado, a secagem da cevada é feita pela fumaça gerada da queima da turfa. Como os grãos de cevada, nessa fase, ainda estão úmidos, a fumaça da turfa impregna nas cascas dos grãos. Observe que os grãos são espalhados sobre um piso perfurado acima do forno. A fumaça só adere aos grãos enquanto o malte ainda está úmido.

Esse processo confere moléculas que dão sabores e odores defumados ou medicinais ao malte e, por conseguinte, ao whisky. Essas moléculas são, basicamente, fenóis (são compostos orgânicos que possuem o grupo hidroxila (OH) ligado diretamente a um carbono do anel aromático) e que podem ser quantificados em partes por milhão (ppm). Desta forma, os produtores de whiskies podem, de forma controlada, conferir diferentes intensidade de turfa aos seus produtos, sendo que a presença da turfa pode ser dividida em 3 categorias: levemente turfado, com 1-5 ppm; meio turfado, com 10-20 ppm; turfado, com 30-60 ppm.

Octomore 8.3 o whisky mais turfado do mundo!

Exemplos clássicos, são o Lagavulin e o Laphroaig, que tem entre 35 ppm e 40 ppm de fenóis. O Ardberg tem aproximadamente 50 ppm. E os whiskies mais turfados do mundo, já registrado, são da Bruichladdich, os Octomore. Medindo de 80,5 ppm na versão Octomore 10 Anos 1° edição, chegando, com o Octomore 8.3, lançado em 2017, a 309 ppm!!

Só para concluir e, claro, informar, devido às pressões ambientais, ao aumento dos preços do comércio de carbono e às metas climáticas, a quantidade de turfa retirada para geração de energia diminuiu drasticamente nos últimos anos, afinal a turfa é uma fonte de energia, assim como os combustíveis fósseis e outros recursos energéticos.

Além da sua utilização para geração de energia e na horticultura, também é utilizada como matéria-prima para a composição de vários produtos químicos (cera, corante, carvão ativado, preparações húmicas, inibidores de corrosão), como material de cama para animais (cavalos, galinhas, porcos), como material filtrante e absorvente (derramamentos de óleo, remoção de metais pesados, transporte microbiano), para têxteis de turfa (fibras de grama de algodão, papel), como material de construção e isolante (canais, casas, estábulos). Tem uso na balneologia, terapia, medicina e cuidados com o corpo (banhos, cosméticos), principalmente na Polônia (turfa de Tolpa).

Turfeiras das terras baixas estão globalmente ameaçadas. Há um movimento no Reino Unido que requereu a candidatura ao status de Patrimônio Mundial da Unesco às grandes áreas de turfa (Flows), com uma decisão da Unesco esperada para 2024. Sete áreas, totalizando 469.500 acres do Flow Country, formariam o novo local.

Diante disso, algumas destilarias, como a Nc'nean que fica acima do mardeclara: “Queremos mudar a maneira como o mundo pensa sobre o uísque escocês", diz a fundadora Annabel Thomas, "para criar bebidas deliciosas que existam em harmonia com a natureza - colocando o planeta, as pessoas e o lucro em pé de igualdade". Ela nunca pensou em usar turfa. Tradicionalmente, os fogos de turfa eram usados para secar a cevada maltada. “Extrair turfa para queimar não é sustentável. Turfeiras são criadas há muito tempo. Elas são um grande sumidouro de carbono e abrigam uma enorme biodiversidade”, diz ela. “Quando cortado e queimado, afeta tanto a biodiversidade da turfeira quanto libera carbono de volta para a atmosfera”.

Manifestações como essas serão mais frequentes e alternativas deverão ser encontradas caso não haja um plano de sustentabilidade para as turfeiras. Aqui no Brasil, por exemplo, a inovação já começou, a Destilaria Lamas utiliza a queima de eucalipto para a secagem da cevada, o que atribui um sabor peculiar aos seus whiskies, e em breve teremos uma destilaria produzindo whisky com turfa nacional, mas essa historia fica para outro momento!


Fontes:

1)-O Livro do Whisky, Edição 2010, por Charles McLean, Editora Globo.

2)-https://manofmany.com/lifestyle/drinks/best-peated-whisky-brands

3)-Joosten & Clarke, 2002, Wise Use of Mires and Peatlands

4)-Uma Jornada Fascinante Pelos Mais Famosos Whiskies e Destilarias do Mundo Inteiro, Edição 2012, por Marc A. Hoffmann, Editora Nova Fronteira – Ediouro.

5)-terral.agr.br

6)-https://peatlands.org/peat/peat/

7)-https://www.bbc.com/news/uk-scotland-highlands-islands-63902143

8)-https://www.bbc.com/news/business-61596047

9)-https://www.environmentbuddy.com/plants-and-trees/peat-types-distribution-facts-importance/

10)-Nature. 2022; 612(7939): 277–282. Hydroclimatic vulnerability of peat carbon in the central Congo Basin. Yannick Garcin et al.

11)-https://robbreport.com/food-drink/spirits/best-peated-whiskies-for-scotch-lovers-2875938/


* Enquanto esperamos o próximo post, que tal assistirmos a um vídeo do canal?

 

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